terça-feira, 18 de novembro de 2008

o menino das mãos sujas

para Iris
Eu era pequena, menina boba. Em minha escola havia um menino que não lavava as mãos, por nada desse mundo. Nem depois do lanche, em que restos de pão estavam entre seus dedos, e nem depois do xixi, em que um pingo sempre ia parar naquela palma branca e impura. Ele não se importava com isso, vivia tranquilo, com um olhar meio parado. Não era uma má pessoa, mas podia bem lavar aquelas mãos. Acho que era medo de água mesmo. Hidrofobia!
Um dia, eu caminhava tranquila pelo pátio da escola, cheio de moleques correndo e meninas sentadas, conversando sobre o primeiro amor... eu caminhava perdida nas minhas viagens , com um pacote de batatas fritas e um suco delicioso de uva.
E então, naquela tarde, em que nada parecia novo, ele surge, o menino das mãos sujas e em minha direção caminha. Eu fiquei parada, tinha um pouco de medo dele, mas não podia sair correndo, ou ofendê-lo, só porque tinha mãos sujas, eu não poderia ser como os outros, que pisam nos que não podem lavar as mãos, ou os que não lavam os pés, ou os que nem banho tomam, ou os que não escovam seus dentes, eu não poderia ser um desses idiotas, que se julga superior, pelo fato de cheirarem a perfumes, desodorantes, ou pastas de dentes... então me mantive firme e ofereci...sim! lhe ofereci batatas... ele, feliz, educado ou sei lá o quê...aceitou. Enquanto levava as mãos ao meu amado saco de batatas, surge uma amiga no último degrau da escada, e por pena de mim ou de minhas batatas, grita um NÃO!!!!!!! Um não mudo sai de sua garganta, não por mal, mas seria o fim de minhas batatas e ela pensava em proteger aquelas salgadas, deliciosas e crocantes iguarias. Ele se virou feliz e foi embora...ela chegou bem perto, e constatou que ele havia tocado... o que fazer agora? Elas haviam sido tocadas pelo menino das mãos sujas... Olhamos uma para a outra e decidimos continuar a comer juntas o que sobrara... e então fomos andando, a princípio melancólicas, com medo de bactérias e depois uma risada veio gostosa... e fomos pelo pátio...comendo batatas com sal e uma pitada de qualquer coisa que nosso amigo tivesse comido ou mijado naquele dia!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

poema de amor eterno?

ele virá ao meu mundo
lá antes da porta
lá onde a grama é verde
e cheira verde

eu o aceito aqui
pois ele me ama invisível
e eu o amo transparente
no cheiro verde da nossa terra

ele chegou de trem
eu corri pra estação
ele veio sem mala
veio sem identidade
mas nunca precisava
só precisava coragem

corri para os seus olhos
levei um copo de água
levei um bolo de milho
levei a fome que tinha

seus olhos tão benditos
agradeceram a água da fonte
e sentados na nossa grama
comemos o bolo de milho
e rimos da simplicidade
e do canto dos passarinhos

este era o nosso mundo
como poderíamos abandoná-lo?
e decidimos optar pela eternidade
e nos amamos eternamente
e eternamente dormimos abraçados
na grama verde que um dia cobrirá nossos corpos

"quando eu morrer me encontrará por lá, volte para mim"

domingo, 9 de novembro de 2008

Silêncio


fechei meus olhos para espiar
lá dentro
abri a porta, que não rangeu
silêncio
olhei dentro
estava vazio
botei meus pés novamente naquele chão
grama verde
meu corpo descansou
olhos calmos
mãos leves
corpo em repouso
que saudade daquela terra
daquela gente
caminhei por toda parte
busquei vozes conhecidas
silêncio
realmente estava sozinha
mas não estava triste
senti que alguém se aproximava
e antes de ver fui abraçada
conhecia os braços
ficamos ali sentados
o sol morria
não precisávamos de palavras
por isso voltei
pelo silêncio do encontro
pelo silêncio dos teus passos nesse chão
que não existe

e silenciosos caminhamos sempre ao lado

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

prato cheio




eu não como carne
não quero o sangue
rejeito essa morte
essa dor

tu mastigas a carne alheia
tu temperas para esquecer a violência

um animal de olhos assustados morreu
para que te enchas a pança gorda
da carne, da vida, do que pulsava

e agora podre te pertence

bom apetite

terça-feira, 4 de novembro de 2008

toc toc toc


Ela se levanta
corajosa
olhar de quem sabe onde vai

e sai, sapato fazendo toc toc toc no silêncio do anfiteatro
eu fico assustada
calma Luciana, ela só vai até ali

me acalmo
ela já pode ir até ali

toc toc toc
e o sarau acontecendo

toc toc toc
agora só escuto isso

os passos de liberdade da minha filha!

(Sofia na apresentação de Capitu da Carmem. Fernando e Amanda me lembraram disso hoje na aula, virou poesia!)