quarta-feira, 24 de setembro de 2008

impressões

quando eu caio
você me sustenta
você sabe o momento da queda

quando me dissolvo no mar
você apanha um pouco desta água
e me bebe para que eu sobreviva

te respiro, meu amigo
e te guardo em meus pulmões
para que o teu medo se misture ao meu medo

você também precisa de cuidado
você também , amigo.

Sofia banguela


Sofia banguela,
sorri gostoso
gibi na mão
enrola o cabelo
já engoliu pedra
já caiu de bicicleta
já construiu idéias
já acordou cheia de sonhos
o choro fica de lado
menina que passa batom
bolsinha a tira-colo
e brilho no olhar
cor de bombom.

Febre


Gosto amargo
olheiras não durmo
bebo vinho e fumo tanto
cheiro de fumaça e uvas
gosto amargo da boca que me beijar
sonho depois do calmante
carneiros pontes nuvens trovão
amo desesperadamente a minha angústia
a alegria em mim é tão vulgar
o interessante não se mostra ou não existe
minha boca amarga espera
outra boca de mesmo sabor
bala de menta pasta barata
tira o amargo e deixa
o vazio.

Fundo

Teus olhos escuros
é noite
lago
fundo
o fundo é escuro

Negros são teus olhos
jabuticabas
soltas dos galhos das árvores
a sombra de uma árvore é escura

Eu não vejo no escuro
os teus olhos
porque são eles mais escuros que o escuro do fundo
bem fundo de mim

Acendo uma vela
fecho meus olhos
não preciso de luz para ver-te
tu existes
e os teus olhos são negros.

Escada molhada escura escada fria

Chovia... tantas histórias começam assim, mas chovia sim.
Eu sentia o frio da água bater em minha pele, era um frio conhecido, já que desde pequena o vento me assustava. Eu tentava subir uma escada, mas meus pés deslizavam no lodo, era tudo de um verde escuro com veias negras, como as pernas das velhas em sonhos que tinha, quando a noite vinha plena de fantasmas. E assim subia, eu queria chegar e não conhecia. E foi então que eu vi onde me levava a escada. Uma porta suja de tanto lixo que um dia alí se encostou, uma porta fechada de medo, trancada de raiva, cofre, segredo que alguém jamais contou. O número estampado e comido pelo vento, não se podia ler, eu tinha os olhos cheios de água, mas nem estava chorando, como quando se é criança e enquanto tomamos banho, olhamos para o chuveiro, e enchemos os olhos, porque queríamos simplesmente ver a água cair.
Bati e um homem abriu, não sorriu. Pedi água, tinha sede. Me fez entrar e me entregou um copo, mas não havia, mas não havia água, ela caía fora, batia na janela. Eu bebi, bebi o que havia naquela aparição, naquele homem, sua boca não me beijava, era mais, como um desespero, seus braços não me deixavam fugir, mas eu nem queria, ele me olhava bicho, tinha medo, tinha susto. Senti que era o suór dele nas paredes, e cheiros, e fumaça, e sono e tosse. Uma lagartixa subia corajosa. Ele me cobriu para que eu desaparecesse, me deitou na cama para que eu dormisse, rezou para que eu fosse embora, mas eu não podia.
A lagartixa passou por um quadro, com uma paisagem, de algum lugar que não existe, era em preto e branco. Do lado oposto o espelho, e então via a paisagem no espelho sem mim, lugar que não pisei, ele havia pisado, eu sabia.
Percebi que estava sozinha, aquele homem me faltava. Eu tinha vontade de chorar, mas as lágrimas caíam lá fora e batiam na janela.
Levantei e caminhei, abri a porta, tão fácil, já estava aberta e desci, desci as escadas, degrau por degrau, segurando no frio cimento, escorregando no lodo, com medo. Lambia o chão molhado porque precisava, porque tinha sede e meus olhos estavam secos. Minha pele ardia árida, como se o deserto invadisse meus pulmões. Pele molhada entranhas secas. Aquela escada escura me levou, porque tudo o que havia de líquido em mim fora bebido por ele.
E o sol nasceu, e a chuva parou, só sobrou uma escada e mais nada.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Sabedoria



Quando menina, minha boneca dormia
boneca real me deram
o que te dar minha filha, em tempos de homens tristes
sabedoria
sofia
brincadeiras
sofia
mãos dadas
sofia
e aí você cresce e me esquece
natural
destino de mãe que ensina seu passarinho a voar
vai voar sofia!
(pintura - Picasso)