domingo, 21 de dezembro de 2008

Deus

corro aos braços desse Deus que não vejo
não consigo ser como as pessoas e suas fés
mas corro a ele
querendo vê-lo e temendo o encontro
e encontro em simplicidade
sentado sobre uma pedra
pernas cruzadas
perco o medo
porque ele sorri
já me disseram que era sério
mas não é
ele sorri
e tem pena dos que sofrem
porque não era para ser assim
mas nós corremos para tudo o que não era ele
corremos para tanta coisa
e ele não era tanta coisa que faz sofrer
era só um sorriso
sobre uma pedra
e só pedia
para olharmos
olhamos e vimos pouco
e tão grande era o que mostrava
nós não conseguimos ver o grande
somos pequenos
precisamos melhorar nossa visão
e aprender no sorriso Dele.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Nada há

não há flores
nem caixas de chocolates
não há surpresas
nem abraços longos
não há lágrimas
nem festas
não há promessas
nem mãos cortadas
nem sangue misturado
nem almas entrelaçadas
apenas há o que houve
lembrado na carne
houve e nunca mais haverá
não pode ser
não é
e se não é
nada há
e
fim

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

"a vida é uma festa" meu poema clichê

"a vida é uma festa"
metáfora que toda a gente usa
então vou usá-la:
a vida é uma festa lotada
estou me divertindo
mas vem batendo o cansaço
me sento e observo
a todos
e de repente
as pessoas começam a partir
dão um adeus sorridente
ou um adeus cansado e vão
vão embora
a vida é uma festa, e todos partem
estou sentada olhando esta partida
estou sentada e atenta
todos partem
quando chegaram tinham a curiosidade se a festa seria boa
para alguns foi
para outros não
eu sempre fico
eles sempre vão
o salão vazio
as cadeiras sobre as mesas
um homem varre os restos
um outro toca um blues
já tirei meus saltos
o batom já foi na boca de alguém
o lápis escorreu dos olhos
a vida é uma festa
mas a festa acaba!

terça-feira, 18 de novembro de 2008

o menino das mãos sujas

para Iris
Eu era pequena, menina boba. Em minha escola havia um menino que não lavava as mãos, por nada desse mundo. Nem depois do lanche, em que restos de pão estavam entre seus dedos, e nem depois do xixi, em que um pingo sempre ia parar naquela palma branca e impura. Ele não se importava com isso, vivia tranquilo, com um olhar meio parado. Não era uma má pessoa, mas podia bem lavar aquelas mãos. Acho que era medo de água mesmo. Hidrofobia!
Um dia, eu caminhava tranquila pelo pátio da escola, cheio de moleques correndo e meninas sentadas, conversando sobre o primeiro amor... eu caminhava perdida nas minhas viagens , com um pacote de batatas fritas e um suco delicioso de uva.
E então, naquela tarde, em que nada parecia novo, ele surge, o menino das mãos sujas e em minha direção caminha. Eu fiquei parada, tinha um pouco de medo dele, mas não podia sair correndo, ou ofendê-lo, só porque tinha mãos sujas, eu não poderia ser como os outros, que pisam nos que não podem lavar as mãos, ou os que não lavam os pés, ou os que nem banho tomam, ou os que não escovam seus dentes, eu não poderia ser um desses idiotas, que se julga superior, pelo fato de cheirarem a perfumes, desodorantes, ou pastas de dentes... então me mantive firme e ofereci...sim! lhe ofereci batatas... ele, feliz, educado ou sei lá o quê...aceitou. Enquanto levava as mãos ao meu amado saco de batatas, surge uma amiga no último degrau da escada, e por pena de mim ou de minhas batatas, grita um NÃO!!!!!!! Um não mudo sai de sua garganta, não por mal, mas seria o fim de minhas batatas e ela pensava em proteger aquelas salgadas, deliciosas e crocantes iguarias. Ele se virou feliz e foi embora...ela chegou bem perto, e constatou que ele havia tocado... o que fazer agora? Elas haviam sido tocadas pelo menino das mãos sujas... Olhamos uma para a outra e decidimos continuar a comer juntas o que sobrara... e então fomos andando, a princípio melancólicas, com medo de bactérias e depois uma risada veio gostosa... e fomos pelo pátio...comendo batatas com sal e uma pitada de qualquer coisa que nosso amigo tivesse comido ou mijado naquele dia!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

poema de amor eterno?

ele virá ao meu mundo
lá antes da porta
lá onde a grama é verde
e cheira verde

eu o aceito aqui
pois ele me ama invisível
e eu o amo transparente
no cheiro verde da nossa terra

ele chegou de trem
eu corri pra estação
ele veio sem mala
veio sem identidade
mas nunca precisava
só precisava coragem

corri para os seus olhos
levei um copo de água
levei um bolo de milho
levei a fome que tinha

seus olhos tão benditos
agradeceram a água da fonte
e sentados na nossa grama
comemos o bolo de milho
e rimos da simplicidade
e do canto dos passarinhos

este era o nosso mundo
como poderíamos abandoná-lo?
e decidimos optar pela eternidade
e nos amamos eternamente
e eternamente dormimos abraçados
na grama verde que um dia cobrirá nossos corpos

"quando eu morrer me encontrará por lá, volte para mim"

domingo, 9 de novembro de 2008

Silêncio


fechei meus olhos para espiar
lá dentro
abri a porta, que não rangeu
silêncio
olhei dentro
estava vazio
botei meus pés novamente naquele chão
grama verde
meu corpo descansou
olhos calmos
mãos leves
corpo em repouso
que saudade daquela terra
daquela gente
caminhei por toda parte
busquei vozes conhecidas
silêncio
realmente estava sozinha
mas não estava triste
senti que alguém se aproximava
e antes de ver fui abraçada
conhecia os braços
ficamos ali sentados
o sol morria
não precisávamos de palavras
por isso voltei
pelo silêncio do encontro
pelo silêncio dos teus passos nesse chão
que não existe

e silenciosos caminhamos sempre ao lado

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

prato cheio




eu não como carne
não quero o sangue
rejeito essa morte
essa dor

tu mastigas a carne alheia
tu temperas para esquecer a violência

um animal de olhos assustados morreu
para que te enchas a pança gorda
da carne, da vida, do que pulsava

e agora podre te pertence

bom apetite

terça-feira, 4 de novembro de 2008

toc toc toc


Ela se levanta
corajosa
olhar de quem sabe onde vai

e sai, sapato fazendo toc toc toc no silêncio do anfiteatro
eu fico assustada
calma Luciana, ela só vai até ali

me acalmo
ela já pode ir até ali

toc toc toc
e o sarau acontecendo

toc toc toc
agora só escuto isso

os passos de liberdade da minha filha!

(Sofia na apresentação de Capitu da Carmem. Fernando e Amanda me lembraram disso hoje na aula, virou poesia!)

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

viver


acabei de chegar de viagem, desta vez o caminho pareceu mais curto, coisas pra pensar, desliguei a música. em alguns, raros dias não preciso dela. queria silêncio pra pensar. minha vida. o que faço da minha vida todos os dias. está passando. não estou fazendo muito. ando escrevendo, isso é bom, mas é um pouco estranho, entro em um mundo falso, quando escrevo. mas deve ser assim. se é um mundo falso, deveria terminar sempre mais feliz, mas acabo tremendo. às vezes adoro essa tristeza, mas quando me assustam, ou me criticam, ou me agridem passo a achar tudo tão sem graça. podia escrever mais colorido. estou cansando quem me lê. mas foda-se, porque eu ainda não achei o giz de cera colorido! quando chego de viagem, desfaço a mala correndo. odeio vê-la por perto, me faz pensar que irei de novo e de novo e de novo e isso me faz ter sono. viciei em água com gás...deve ser porque ela me emociona, ela é forte, pena que logo perde o gás e não é mais forte. aí não tomo mais. ela se parece comigo: abra minha garrafa e me beba, enquanto ainda estou forte...depois saia correndo, porque fico desapaixonante. Que horrível, agora todos sabem que sou uma água com gás. O garçom pergunta: com limão e gelo? Não!!!!!!!!pura. Se me quiserem por perto, terão de forma pura. Direi palavras duras, mas serão as palavras. Não saberei mentir, enquanto tiver gás em minha água. almocei. sozinha. é ruim comer sozinha. mas o andré deixou um recado bonito em cima da mesa e um sorvete no congelador. sorvete de brigadeiro. mais gostoso do que água com gás. ele tem razão. meu dia está passando. mais um dia. mas já estou em casa. logo minha sofia entrará por aquela porta. entrará violentamente pedindo sua mãe. Eu sou mãe! preciso me dizer isso todo dia! difícil acreditar que sou uma mãe. aquele ser sublime que aparece em propaganda de eltrodoméstico... não sou ser sublime, sou só mãe e fodam-se os liquidificadores. sou mãe que erra, mas que também acerta. melhor assim, poderei pedir desculpas numa boa e sem culpas... me perdoe, Sofia. ainda é pequena. me exige atenção, logo me exigirá mais... e depois vai deixando de exigir...vai encontrando seu caminho. eu ainda não encontrei meu caminho. me perco. também não quero encontrar, porque a certeza nos deixa tão idiotas. escuto passos...sofia e papai chegando...preciso olhá-los... eles me pedem e eu devo estar de braços abertos. estarei sempre. eu cresci. eu sou mãe. ele é o andré. essa é minha casa. preciso tocar minha realidade, para que ela não desapareça. isso é viver.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

tremendo


Frio, eu sentia muito frio e tremia. Mas o calor era insuportável nas ruas, e eu tremia. Uma espécie de febre, só que não era. Era um pouco medo e vazio, medo do que sentia, e no que isso poderia se transformar, e vazio, porque te perdia insistentemente todos os minutos dos meus dias. Perdia, perdia, e embora nunca tenha realmente sido meu, eu te perdia, meio bonde meio táxi, meio círculo. Por que os teus olhos e os meus olhos se comunicavam? Por que não ficavam calados? Não, eles sempre se entendiam de um entendimento absurdo, que deixava a todos boiando, boiando até o naufrágio completo. Nós não naufragávamos, nós conseguíamos depois de dores, discussões e rompimentos e rompimentos e rompimentos, abraçar ao outro, pedir ajuda, pedir que voltasse, pedir a mão. E dávamos as mãos e entrávamos na chuva sem proteção. Mas não adiantava a coragem do encontro, porque havia o vazio da falta de coragem. Coragem de gritar: Eu amo. Estão vendo? Olhos vermelhos, não posso gritar! Você não viu lágrimas, mas ouviu a minha voz cheia de lágrimas do outro lado. E eu ouvi a sua. Estamos sofrendo? Não podemos ser fortes? Não, não podemos, não somos. Queria saber se eu estava bem? Então você também temia. Não quero que sofra. Eu preciso sair da sua vida, pra que seja feliz, só não tenho coragem, preciso de muita coragem e ainda dói. Me perdoe, não estou forte ainda, tenho um frio! Frio dentro! Estou tremendo de frio em pleno dia de sol quente! Olhe como minhas mãos tremem.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

minhas

Um pouco de Macabéia, pra ser simples e beijar parede
Um pouco Capitu, pra não ser tão óbvia
Um pouco Marcela e ser falsa e ser esperta
Um pouco Iracema pra encher a cara com a bebida de tupã
Um pouco Sinhá Vitória e dormiria numa cama, cama, cama

Eu poderia correr o sertão com Diadorim
E assaltar as casas com Dora
E falar palavrão com Tieta
E almoçar com vovó Izidra

Mas eu não tenho nenhuma delas
Elas não me escutam
Elas não me vêem

eu quero




Ícaro voa alto
porque tem asas
não percebe o sol
e se queima

Eu quero também morrer ao sol
no céu azul
de nuvens brancas

por que não me deram asas?

labirinto


Eu não estou perdida em um labirinto
e muito menos perto de um minotauro
não preciso de ajuda
e nem que me digam o que é certo
eu nunca fui um exemplo a seguir
tampouco tento machucar
só quero paz
não quero saber de viver sonhos
só quero paz
feche os olhos, antes de me olhar

estou fechando a porta
estou do lado de fora, como é bom estar do lado de fora
aquilo sim foi prisão
eu estava presa
e nem sabia

sábado, 18 de outubro de 2008

Chega de dor, encheu o saco, porra!

Às vezes vivemos sonhos estranhos, que depois de um bom banho e muitas lágrimas eles vão embora. De maneira doce ou atroz eles vão. O amor tem suas dores, e as dores tem seus amores. Confundimos tudo, e nos apaixonamos pela tristeza. Não podemos ser felizes em tudo, mas isso não significa que somos seres tristes, nem todas as músicas devem fazer sentido. Eu não quero ser ridícula e muito menos um ser triste. Chorar faz bem, me equilibra, me tira do estado desesperado e me coloca no estágio foda-se. Incrível essa nossa capacidade de libertar-se. Eu me libertei de devaneios tolos e fugas imaginárias, não sou esquizofrênica, e minha realidade é tudo, menos essa poesia que escrevo. Escrevo para aliviar um pouco a alma... de dor? não! aliviar de palavras que me vêm. Isso não é triste, é meu único dom. Quero transformar em palavras esses sentimentos paranóicos que tenho às vezes, me faz bem ser essa coisa que muda, que transforma... Um dia me amaram, outro dia me disseram que não...eu chorei, mas não morri. Não existe outra vida, só essa, então não existe amor de almas, existem corpos e tesão, isso sim existe. O resto é besteira de seres românticos que querem viver constantemente apaixonados. Deve ser difícil se apaixonar por mim, eu falo alto, eu grito, eu brigo, eu intensifico, pinto as unhas de azul, falo besteira, palavrão, brigo com Deus faço as pazes, bebo, discuto com baleias imensas... Um dia pensei que queria ser uma princesa, mas acho que seria um porre! por isso matei a Branca de Neve e matarei outras tantas que tentarem se aproximar de mim. Eu odeio "felizes para sempre".

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

e não me interpretem...


Está tão difícil ser feliz hoje, eu me iludi, acreditei na beleza da minha vida, mas não tinha beleza. Era só eu que vivia um sonho, e não posso acreditar em sonhos. Vinícius de Moraes escreveu: "algumas palavras duras em voz mansa te golpearam/nunca cicatrizam" eu as ouvi e vivo em ferida aberta. Eu não posso ser frágil.
Não me peça uma bailarina que lhe dou um monstro. Não me peça uma Branca de Neve que lhe dou maçã envenenada. Não me peça pureza de anjo, que lhe dou minha carne, meu pecado. Não me peça para ser menina, pois sou mulher, e mulher nesta intensa realidade. Que grande droga a realidade.
Minha cabeça dói, porque estou chorando, e não é choro calmo, é choro chorado, de alma. Nunca mais me perguntem o sentido da minha tristeza, porque nunca ninguém vai tirá-la de mim. Não quero que acreditem na minha poesia, ela é a mentira que vivo, e a mentira pode te ferir.
Não me escute, não me olhe, não me queira, não me coma, não me respire, não me venha falar da moral, eu não acredito nessa frieza. Nunca serei o que acredita que sou. Eu não sou, é mentira.
Não me escute, quando te beijo com minhas palavras, eu beiro o perigo. Eu não sou uma alma pura, não encontrei minhas boas intenções.
Minhas palavras não existem na realidade. Que grande droga essa realidade.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Primeira Carícia


No piano a música desliza pelas mãos de um menino
escorre o som pelo meu corpo e minha mente sente
as primeiras carícias
são carícias em minha alma
ao corpo proíbidas
o medo do afeto se dissipa
enquanto a música arde
fecho os olhos e sinto
os dedos que se enlaçam de leve
e o abraço é lento
desesperado lancinante
medo de acabar
e as bocas tímidas
finalmente, em doce carícia se tocam
e a música termina
mas o amor não, e então
a música recomeça, não em piano, mas em violino
como é doce amar
como é doce amar!
(inspirada na música Primeira Carícia de Cost. de Crescenzo - tocada pelo meu sobrinho Rafa, ao piano, enquanto eu escrevia.)

poema pílula II

a melancolia é minha amiga,
que bom,
não tenho saco pra excesso de felicidade!
(escrevi pra Isa no blog dela, e deu vontade de postar aqui)

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Faz tempo, meu pai



O corredor não escuta mais teus passos
Tua escova de dentes se quebrou
No teu uísque já não existe um gole
Tua carteira está vazia
No jardim tudo cresce sem teu cuidado
Os morangos as acerolas nada mais nasce
Só o maracujá, depois que você se foi
Enlouqueceu e se espalhou
Para ver se acalmava a saudade
A garrafa de café secou
O cinzeiro se perdeu
O paletó um neto levou
O cachorro adoeceu
O carro já passou
A foto amarelou
O barbeador oxidou
A caneca de cerveja virou gelo no congelador
As crianças cresceram
Nós casamos
A mamãe chorou e chorou e depois sorriu
Quando a rosa amarela brotou
O teu relógio, no cofre, ainda trabalha
Acho que só ele não percebeu
Que você já morreu!

EL CIELO publicação no jornal da Unesp de Assis - área de español (El Camino - 1995)

Cuando te vayas
el sol también se irá
y la oscuridad ensombrecerá mi vida
Cuando te vayas
seré una luna
sin estrellas que se quedan a mi lado
Cuando te vayas
la noche no se acabará nunca más
el invierno vendrá silencioso
y mis sueños serán solamente sueños.

poeminha para minha mãe...


Absurda essa sua capacidade de ensinar,
com você aprendi a me alimentar,
aprendi o engatinhar, o andar, o cair e o levantar.
Aprendi que os joelhos ralam todos os dias,
mas que logo cicatrizam,
aprendi que sofremos de amor,
mas que depois tantas lágrimas se transformam em gargalhadas.
Aprendi que quando se casa, não somos mais um,
e que é preciso paciência a cada diferença.
Aprendi que os filhos pesam na barriga,
que eles vomitam, dão trabalho, engolem pedra,
mas que não precisamos gritar,
porque tudo é mais simples do que pensamos.
Aprendi que é peciso parar e respirar,
e que as aflições passam com uma oração,
e que eu não preciso brigar,
eles vão me entender, eles vão me escutar.
E acabei descobrindo sozinha, que nenhum livro, nenhuma faculdade, nenhum filósofo me ensinou tanto como você:
de maneira simples,
de maneira calma,
de maneira mãe!

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Historinha de uma maçã



Era uma vez uma branca de neve,
princesa não era, nem de leve,
não era uma vez, não era sua vez.

Nos cabelos a fita vermelha, única marca real,
de um sonho desbotado e rasgado.

Nas mãos o medo do tato,
já havia sofrido, já havia lutado.

Branca de Neve a chamaram,
Branca de neve respondeu,
sorriu por ser vista menina,
em uma pequena bola de cristal.

Ofereceram-lhe maçã,
invisível e dolorosa,
mordeu um pedaço tão grande,
que caiu de repente, morta.

domingo, 5 de outubro de 2008

Na janela do carro, pingos d'água


Se na chuva não vejo,
o que o sol não mostra,
é que tem barullho de mar,
na sombra da estrada.

Se no corpo a alma não mostra a cara,
é que tem barulho de brilho,
nas pálpebras risonhas da estrada.

Meus seios cheios de mar e brilho,
mulher chuva na estrada,
não há pó, nem nada.

Apenas pingos tímidos de beijos, leite e lágrimas.

sábado, 4 de outubro de 2008

bailarina azul


Dia de chuva que não chove, fica escuro, dá sono, mas não chove. Minha filha brinca em casa, falta sol para correr lá fora. Ela precisava de um papel azul, para desenhar uma bailarina de saia transparente com giz branco, como viu na televisão. Eu ando pela casa meio fantasma, assustada de não ter que trabalhar, aprendemos, desde meninas eu e minhas irmãs, que devíamos sempre trabalhar, e isso se tornou um trauma, meus sábados acabam sendo dolorosos, vazios e de ansiedade.
Sofia, desenha no chão, lápis espalhados, canetas coloridas, já fez tatuagens em meus braços, minhas pernas, com olhar de tatuadora experiente. Qual será o seu futuro? desculpe, a ansiedade perturbadora, deixo ser criança a Sofia e o desenho apenas brincadeira. Bem, mas falta o papel azul e ela não esquece. Calada continua seu trabalho ensolarado, já que lá fora está cinza, vai amarelando dentro, com sol e nuvens rosas, o coração vermelho e as flechas... hoje me perguntou o que era arco. Não sei se gostou da resposta, mas continuou pensando em círculos, deixou para lá o arco-íris, o arquinho prateado, o Arco do Triunfo e foi desenhando círculos, acho que precisa fechar o arco, hoje, essa Sofia.
Deixaremos de lado o círculo e buscaremos um papel azul, mas eu me esqueci, tão desimportante para mim o projeto, mas para ela a idéia insistia toda anil. Então no final da tarde tirou uma folha do caderno e com um lápis decidido pintou-a inteirinha de azul, no centro uma bailarina nascia e girava, de saia transparente giz. Uma bailarina azul que me dizia em cada volta - você desiste fácil - e Sofia sem compreender o que isso me significava, continuava tranquila, desenhando sonhos para que eu me compreendesse.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

impressões

quando eu caio
você me sustenta
você sabe o momento da queda

quando me dissolvo no mar
você apanha um pouco desta água
e me bebe para que eu sobreviva

te respiro, meu amigo
e te guardo em meus pulmões
para que o teu medo se misture ao meu medo

você também precisa de cuidado
você também , amigo.

Sofia banguela


Sofia banguela,
sorri gostoso
gibi na mão
enrola o cabelo
já engoliu pedra
já caiu de bicicleta
já construiu idéias
já acordou cheia de sonhos
o choro fica de lado
menina que passa batom
bolsinha a tira-colo
e brilho no olhar
cor de bombom.

Febre


Gosto amargo
olheiras não durmo
bebo vinho e fumo tanto
cheiro de fumaça e uvas
gosto amargo da boca que me beijar
sonho depois do calmante
carneiros pontes nuvens trovão
amo desesperadamente a minha angústia
a alegria em mim é tão vulgar
o interessante não se mostra ou não existe
minha boca amarga espera
outra boca de mesmo sabor
bala de menta pasta barata
tira o amargo e deixa
o vazio.

Fundo

Teus olhos escuros
é noite
lago
fundo
o fundo é escuro

Negros são teus olhos
jabuticabas
soltas dos galhos das árvores
a sombra de uma árvore é escura

Eu não vejo no escuro
os teus olhos
porque são eles mais escuros que o escuro do fundo
bem fundo de mim

Acendo uma vela
fecho meus olhos
não preciso de luz para ver-te
tu existes
e os teus olhos são negros.

Escada molhada escura escada fria

Chovia... tantas histórias começam assim, mas chovia sim.
Eu sentia o frio da água bater em minha pele, era um frio conhecido, já que desde pequena o vento me assustava. Eu tentava subir uma escada, mas meus pés deslizavam no lodo, era tudo de um verde escuro com veias negras, como as pernas das velhas em sonhos que tinha, quando a noite vinha plena de fantasmas. E assim subia, eu queria chegar e não conhecia. E foi então que eu vi onde me levava a escada. Uma porta suja de tanto lixo que um dia alí se encostou, uma porta fechada de medo, trancada de raiva, cofre, segredo que alguém jamais contou. O número estampado e comido pelo vento, não se podia ler, eu tinha os olhos cheios de água, mas nem estava chorando, como quando se é criança e enquanto tomamos banho, olhamos para o chuveiro, e enchemos os olhos, porque queríamos simplesmente ver a água cair.
Bati e um homem abriu, não sorriu. Pedi água, tinha sede. Me fez entrar e me entregou um copo, mas não havia, mas não havia água, ela caía fora, batia na janela. Eu bebi, bebi o que havia naquela aparição, naquele homem, sua boca não me beijava, era mais, como um desespero, seus braços não me deixavam fugir, mas eu nem queria, ele me olhava bicho, tinha medo, tinha susto. Senti que era o suór dele nas paredes, e cheiros, e fumaça, e sono e tosse. Uma lagartixa subia corajosa. Ele me cobriu para que eu desaparecesse, me deitou na cama para que eu dormisse, rezou para que eu fosse embora, mas eu não podia.
A lagartixa passou por um quadro, com uma paisagem, de algum lugar que não existe, era em preto e branco. Do lado oposto o espelho, e então via a paisagem no espelho sem mim, lugar que não pisei, ele havia pisado, eu sabia.
Percebi que estava sozinha, aquele homem me faltava. Eu tinha vontade de chorar, mas as lágrimas caíam lá fora e batiam na janela.
Levantei e caminhei, abri a porta, tão fácil, já estava aberta e desci, desci as escadas, degrau por degrau, segurando no frio cimento, escorregando no lodo, com medo. Lambia o chão molhado porque precisava, porque tinha sede e meus olhos estavam secos. Minha pele ardia árida, como se o deserto invadisse meus pulmões. Pele molhada entranhas secas. Aquela escada escura me levou, porque tudo o que havia de líquido em mim fora bebido por ele.
E o sol nasceu, e a chuva parou, só sobrou uma escada e mais nada.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Sabedoria



Quando menina, minha boneca dormia
boneca real me deram
o que te dar minha filha, em tempos de homens tristes
sabedoria
sofia
brincadeiras
sofia
mãos dadas
sofia
e aí você cresce e me esquece
natural
destino de mãe que ensina seu passarinho a voar
vai voar sofia!
(pintura - Picasso)